Ele tinha começado a me oprimir,
não aguentava mais. Os problemas cresciam, as dificuldades entre nós eram tão
grandes: não me consentia ter um trabalho, receber um salário que me permitisse
o mínimo de autonomia. Começou a ficar muito mais violento do
que eu pudesse suportar. É sim, eu já estava acostumada com as agressões,
seqüestros, assaltos, confusões e bebedeiras em geral, muita bandidagem, falta
de educação e respeito com as pessoas. Eu, pobre coitada, indefesa, romântica
idealista, continuava a sonhar e ver os pontos positivos, a beleza escondida em
um canto ou outro, algumas iniciativas altruístas, qualquer fatia de
felicidade.
Na confusão dos rumores absurdos
a qualquer hora do dia ou da noite, sem respeito pelo espaço alheio, tentava
descobrir qualquer nota de música e apreciar o percentual da arte que
sobrevivia na silepse da sua essência. Observava certas paisagens e pensava que
diante de tão grande beleza, sem ele eu não podia ser feliz. Continuava naquele
relacionamento contrastado pelo amor e o ódio, até que meu físico começou a
sentir o cansaço e as idéias foram ficando mais fortes: vou fugir! Vou criar
asas e voar para longe, para muito além dos confins! Certos dias, massacrada
pela realidade e vivendo a hipocrisia daquele amor, me envergonhava de não
fazer algo para melhorar a situação: lutar, juntar forças e lutar, resolver as
desavenças, construir um futuro melhor....quantas idéias que não era capaz de realizar.
Foi uma decisão de ímpeto,
daquelas que nascem no coração e na razão contemporaneamente, o deixei. Ele
ficou lá, deitado em berço esplêndido, lindo e violento, cheio de contradições,
e eu encontrei outra vida, me deparei com o novo, convenci meu coração, adaptei
minha razão. Não foi tudo fácil, mas muito aventureiro. Um novo amor, mil
descobertas.
Era precioso saborear a nova
gastronomia, sentir o novo perfume e caminhar de mãos dadas com a sua
civilidade. Mas todo amor, no início, não vê os defeitos, eu era afinal uma
estranha para todos os seus, e as vezes me olhavam como uma prostituta, quando
não me tratavam como uma desgraçada. Fui sobrevivendo, costurando os retalhos e
formando minha história.
Agora, cá estou , após tantos
anos, com a passagem na mão e as lágrimas nos olhos, imaginando quando meu
corpo tremer diante do meu primeiro amor, a quem resolvi reatar contato. Como
farei diante de tantas mudanças que os tempos trouxeram e eu não acompanhei? Não
posso mais dizer que o conheço como a palma da minha mão, e isto me amedronta
muito mais de todas as violências que posso me deparar escolhendo esta via de
retorno discutível. Não conheço as últimas novidades, as novas gírias que estão
rolando, a canção do momento. Estou com medo de me perder e não o encontrar
como o deixei, como o conhecia. E se tiver piorado justamente no que mais me
encantava? Como uma adolescente inconsciente me alegro pensando a banais
encontros e sabores quase esquecidos.
Faço mil planos, tantos projetos,
a esperança lutando contra o medo do reencontro com o meu país amado: Brasil.
Autor: Rachel Queiroz Zuliani
Contato: rqzuliani@yahoo.com
Blog: rachelqueirozzuliani.blogspot.com
Concurso: VII Concurso Rubem Braga de Crônicas - 2012
Organização: Academia Cachoeirense de Letras (ACL)
Classificação: Destaque
Prezada Raquel,
ResponderExcluirREATO ata, de fato, as costuras que a vida tem. das escolhas que podemos fazer para mudar o curso do rio, ou não. do que podemos fazer, ou não. REATO, ata. Reflete. Parabéns.
obrigada querida, escolhas e dúvidas estão e estarão sempre presentes na vida de cada um, o importante é sentir e tentar sorrir!
ExcluirRachel