Ela era da época em
que se espalhava a sujeira pela casa com o espanador, tarefa árdua e que não
resolvia o problema do pó, mas que, ao menos, ao dispersá-lo, tornava-o quase
imperceptível, ignorável. Tal como o espanador, em relação aos outros problemas
da casa e da família, bases às quais se resumia sua vida, dispersava as nuvens
espessas com pensamentos e tarefas aleatórias, como testar uma nova receita,
cuidar do jardim ou aprender as técnicas de ponto e cruz da revista que
comprava sempre que ia ao mercado, um dos poucos pequenos prazeres aos quais
ela permitia-se.
Nos trinta e cinco
anos de casada, abriu mão de quase todas as suas aspirações. Desistiu da
faculdade, da carreira de psicóloga, dos passeios pela praça aos domingos
(incluindo o almoço fora e o sorvete, sem obrigação de cozinhar ou lavar
louça), das viagens ao Pantanal e ao Nordeste, do cachorro, dos dois gatos e de
muitos outros planos e desejos, todos dissipados. Além disso, fazia vista
grossa às grosserias, ao excesso de trabalho e aos caprichos do marido, o
senhor Leopoldo Guimarães, sujeito mais sovina da cidade. Diziam que ele
passava metade do dia preocupando-se em ganhar mais dinheiro e a outra metade
preocupando-se em não gastá-lo; Com exceção dos domingos, que o velho
respeitava como se por força de lei. A maioria fazia piadas e zombarias, mas
quem sofria mesmo era ela, privando-se, presa por si mesma àquela casa com
nuvens espessas de pó.
Naquela manhã de
domingo, por ser aniversário dela, o marido deixou-a dormir até mais tarde, foi
até o jardim, arrancou de lá algumas das rosas de que ela mais cuidava,
amarrou-as com um pedaço da hera que subia pelo muro da rua e tentou
surpreendê-la com o buquê improvisado e com uma xícara de café na cama. Não
teve sucesso na surpresa, assim como não havia tido em todos os outros
aniversários múltiplos de cinco, em que ele fazia exatamente a mesma coisa -
intercalando com o cartão de próprio punho que entregava nos aniversários dos
entremeios. Ainda que decepcionada, ela lembrou-se de como sorriu no ano
anterior e estampou no rosto aquele mesmo sorriso insosso, agradeceu de cabeça
baixa e foi preparar um chá; Detestava café.
Pouco mais tarde,
naquele mesmo dia, o filho mais velho foi visitá-la. Aquele que trabalhava
fora, na cidade vizinha, porque o mais novo não ia até a casa dos pais havia
mais de cinco anos, desde que o pai o expulsara de lá, alegando que os gastos
com telefone estavam muito altos e que havia chegado a hora dele andar com as
próprias pernas. Ela permaneceu em silêncio durante a discussão e a partida; E
arrependeu-se depois da inércia, mas mantinha contato com o filho por cartas
que ela deixava para uma amiga dele, a caixa do mercado. O primogênito, que
apareceu com um grande pacote e um sorriso maior ainda, havia fugido de casa cedo
porque sabia que, enquanto morasse lá, continuaria brigando com o pai, em
defesa da mãe e do caçula. Quando o senhor Leopoldo apareceu na sala de
entrada, atraído pelos ruídos de visita recém-chegada, em uma das raras
excursões além da poltrona no domingo, cumprimentou-o com um aperto de mão e um
tapinha nas costas; Para o velho, aquilo era sinal de muito respeito, adquirido
por enfrentar o mundo lá fora e, de quebra, reduzir as despesas da casa. Após o
cumprimento, o filho pouco disse e logo despediu-se; Não se sentia bem ali,
nunca conseguiu dissipar os traumas.
Pouco interessado
pelo filho, pela esposa ou pelo pacote, Leopoldo voltou a recostar-se na
poltrona da sala de televisão. Enquanto isso, ela abriu o pacote, primeiro
tentando as beiradas e depois, ansiosa, o rasgando em pedaços com as unhas. Leu
na embalagem: aspirador de polvo. Riu um pouco da tradução em espanhol ao
imaginar o pobre molusco sendo sugado por aquele equipamento da foto, coitado,
com os tentáculos ainda para fora, debatendo-se. Ao retirá-lo da caixa,
conferiu o manual, montou todos os tubos e foi em busca de um local propício
para o primeiro teste.
Chegando à
biblioteca - que não tinha nenhum livro novo porque Leopoldo dizia que livro
novo era um gasto desnecessário, uma vez que todos se acabariam no alfarrabista
da praça central - ela ligou o aparelho na tomada e, de repente, viu-se fazendo
desaparecer as nuvens espessas de pó. Camada por camada, retirava o pó de cada
prateleira, cada coleção incompleta de enciclopédias (era muito difícil
completar alguma comprando apenas as descartadas) e, também, do chão, do ar, de
todo o lugar. Quando desligou o aspirador, viu-se em um novo ambiente,
verdadeiramente limpo, leve.
Tomada por um novo
ânimo, com um brilho incomum nos olhos, partiu para o quarto do casal e ligou
novamente o aspirador. Retirou todo o pó do chão, do ventilador de teto, da
cabeceira e da penteadeira. Quando foi tirar o pó do criado mudo, uma foto mal
presa no porta-retratos acabou puxada para a boca do aparelho. Assustada, após
duas tentativas com o pé, abaixou-se, desligou o aspirador e a foto caiu. Ao
ver que se tratava de uma foto do marido na viagem de negócios que fez sozinho
a São Luis e Salvador, programou o aparelho para a força média e mirou o tubo
novamente para a foto. Esta dobrou-se, estalando, e rebateu sonoramente em cada
curva do cano até pousar silenciosamente em algum lugar distante.
Surpresa com a
potência do aspirador, ela abriu mais ainda os olhos brilhantes, sorriu e
apontou a boca do tubo para o enxoval que jazia sobre a cama - com as iniciais
dele e dela bordadas em ponto e cruz. Sugou toda a roupa de cama, incluindo os
travesseiros. Depois, entre uma gargalhada e outra, aspirou todos os
porta-retratos do criado mudo e as roupas e sapatos do armário. Seguindo para o
banheiro, aspirou as escovas de dentes, as toalhas de banho - igualmente
bordadas – e, por fim, os óleos de banho e perfumes que ele nunca passou nela
ou por ela.
Do banheiro ela
seguiu para a cozinha, ainda mais animada – quase pecando pelo excesso - e
absorveu primeiro os eletrodomésticos, depois o jogo de talheres em prata -
presente de casamento, ainda na caixa, as taças de vinho - que nunca foram
utilizadas porque vinho era muito mais caro do que cerveja - e os velhos copos
de requeijão. No entanto, quando ela virou o tubo em direção aos pratos, aquele
que estava no topo da pilha passou por cima dos outros e espatifou-se no chão.
Atraído pelo barulho, o velho Leopoldo levantou-se da poltrona e foi até a
cozinha; Deu de cara com ela, com aqueles olhos brilhantes e esbugalhados,
assustadora e excessivamente animada.
Quando os policiais
chegaram, convocados pelos vizinhos que estranharam a barulheira naquela casa
costumeiramente silenciosa, encontraram-na sorrindo, de olhos bem abertos,
realizada e sentada em um canto da casa vazia - de móveis e traumas. Os braços
e pernas do velho Leopoldo, todo desconjuntado, ainda debatiam-se em um último
esforço.
Autor: Rodrigo Domit
Contato: rodrigodomit@gmail.com
Blog: http://rodrigodomit.blogspot.com.br
Concurso: 23º Concurso de Contos Paulo Leminski - 2012
Organização: Biblioteca Pública Municipal de Toledo - PR
Classificação: Menção Honrosa
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