MEU RIO DE JANEIRO (Conto de Marlene da Silva Leal)

     Era verão de 1956/57. A estrada por onde o ônibus seguia era escura iluminada apenas pelos faróis de um ou outro raro veículo passante. Ouvia-se apenas o barulho contínuo do motor o que me permitiu perceber um soluço abafado ao meu lado. Olhei para o rosto de mamãe e ela disfarçou. Nunca a havia visto chorar e perguntei curiosa:
     - Mãe, você está chorando?
     - Não, filha. É resfriado. Dorme, que ainda falta muito para chegar ao Rio de Janeiro.
     Belo Horizonte, minha cidade natal ia ficando cada vez mais distante. Aos dez anos eu carregava uma esperança enorme de conhecer o Rio, o mar, o Pão de Açúcar e tudo mais que havia de belo na cidade. Em minha cabeça não passavam as preocupações que mamãe carregava como bagagem. Só sabia que era preciso mudar de cidade por uma questão de sobrevivência.
     Meus pais acabavam de se separar e minha família era bem pobre. Minha mãe trabalhava como tipógrafa, profissão considerada masculina, o que era um avanço para a época. Ela pretendia empregar-se no Rio e fugir de uma ameaça de morte.
     Demorei a pegar no sono com os pensamentos misturados de curiosidade, insegurança e medo. Porém havia uma excitante ansiedade de chegar ao destino.
     Deixei amiguinhas de escola e vizinhas. Fiquei com saudade de nossas brincadeiras de rua tão comuns e tranqüilas em um bairro periférico de BH. As festas de Natal, os aniversários, as seções de matinê iam ficando para trás.
     Quando adormeci sonhei que estava chegando ao Rio de Janeiro. Tudo como havia visto nas revistas. Voei sobre o mar, as montanhas os prédios altos a lagoa Rodrigo de Freitas até que o brilho das águas me fizeram abrir os olhos. E um raio de sol penetrou pela fresta deixada pela cortina da janela do ônibus.
     Mãe estava com o olhar perdido lá fora. Então perguntei:
     - Mamãe, tá chegando?
     - Sim, filha. Falta pouco.
     - Nós vamos morar perto da praia? Ela demorou um pouco a responder, virou-se para mim e disse:
     - Filha, não vamos morar perto da praia. Também não vamos morar na mesma casa. Vamos ter que ficar separadas por algum tempo. Estamos indo , na verdade, para Petrópolis, onde você vai estudar e eu vou para o Rio trabalhar. Assim que você terminar seus estudos, vou buscá-la de vez. Aí sim você vai conhecer o Rio.
     - Minha decepção foi tão grande que comecei a chorar copiosamente, como se fosse o fim do mundo. Separar de minha mãe e também não ir para o Rio era demais para quem havia sonhado tanto...
     - Não chore assim, filha. Eu também já sofri muito com tudo isso, mas onde você vai ficar tem muitas meninas da sua idade, você vai estudar, tirar seu diploma. São só dois anos que faltam para você acabar o primário e o admissão. Depois a gente não vai se separar nunca mais, eu prometo... Mamãe tem que trabalhar para juntar um dinheirinho e podermos ter nossa vida melhor. As freiras vão cuidar bem de você.Elas são muito caridosas...
     Foram os dois anos mais longos da minha vida. Mãe me visitava regularmente aos terceiros domingos do mês e me contava tudo que via no Rio . O trabalho novo que arrumara numa casa de família onde ela dormia e nas folgas procurava um jornal onde pudesse exercer a profissão que realmente abraçara desde os 14 anos.
     Um dia chegou com a notícia de que estava empregada num jornal de grande circulação e mudara de emprego. Sempre trazia fotos do Rio para eu ver e assim fui tomando conhecimento de como era a cidade. Comecei a amar ainda mais a cidade maravilhosa. As luzes dos anúncios , a Candelária, a Cinelândia, os parques, o Jardim Botânico, a igreja da Penha, O bondinho dos Arcos da Lapa, o teatro Municipal, o Carnaval, tudo colorido e fascinante. Meus olhos brilhavam quando chegava o dia da visita e mãe vinha com o envelope cheio de gravuras tiradas das revistas do mês anterior. Às vezes era permitido passar o domingo todo fora do colégio e íamos ao cinema. Antes do filme sempre passava um noticiário em preto e branco a respeito do Rio, pois era a capital do país.
     Estudava bastante para alcançar a nota máxima e poder passar o tempo mais depressa. Meu objetivo era vir para o Rio. Mãe conseguira alugar uma quitinete na Rua do Riachuelo, bem perto do trabalho e do centro da cidade.
     No início de 1959 Ela chegou com a grande notícia no colégio:
     -Hoje não vim para visita e sim para levar você para o Rio. Eu já esperava, mas não acreditei. O coração batia descompassadamente. E... pulei,... gritei,... chorei e... tremi de emoção. Arrumei a pouquíssima bagagem numa maleta de couro surrada que havia ganhado, despedi eufórica de todos e viemos finalmente para o Rio.
     Confesso que ao chegar fiquei um tanto decepcionada com a entrada da cidade e com a rua onde teria que morar. As casas e prédios eram muito mal conservados e aquela parte da cidade era muito feia para minhas espectativas. Mas no domingo fomos a Paquetá e aí tive a inesquecível experiência de ver toda a Baía de Guanabara com tudo de belo que ela oferece: O Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, A Ilha fiscal, o Forte de Copacabana, formando um conjunto de paisagem único no mundo.
     Em outras oportunidades visitei o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, A Cinelândia, A Praça Paris e o Passeio Público. Cada passeio era um deslumbramento.
     A emoção tomou conta de mim quando numa lotação (condução comum na época) visitei Copacabana e alguém tinha um radiozinho de pilha tocando a música “Copacabana Princesinha do mar”. Parecia que estava entrando num lugar mágico. O cheiro do mar, a areia quente e o famoso calçadão de pedras portuguesas. Eu estava lá. Foi um dia inesquecível. Provei da experiência de tocar as águas do mar e prová-la.
     O Copacabana Palace sempre branco e os turistas com suas máquinas fotográficas registravam. Eu registrei na memória aquele momento.
     Fui me acostumando com essa cidade maravilhosa que me acolheu com os braços abertos. Aqui me formei, fiz novas amizades e vivo até hoje, onde casei, tive três filhos e quatro netos.
     Sempre que posso vou com eles aos lugares por onde desde criança queria conhecer: A vista Chinesa, a Quinta da Boa Vista, o Outeiro da Glória, Ilha do Governador, Jardim Botânico, Observatório Nacional, Parque Laje, Aterro do Flamengo, Museu Nacional, Museu da República Parque da Cidade e tudo mais que o Rio oferece, com shows e eventos culturais.
     Acompanhei as transformações dessa cidade, desde a derrubada da antiga Lapa onde os bondes faziam ponto final até a construção da Ponte Costa e Silva, a construção do Metrô, o Sambódromo e outras importantes obras que até hoje acontecem para tornar mais belo a cada dia esse meu Rio de Janeiro.







Autora: Marlene da Silva Leal
Contato: marleneleal0212@oi.com.br

Concurso: Concurso de Contos para Idosos da SESQV - 2011
Organização: Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ
Classificação: 1º Lugar

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