DESMEMÓRIA: APONTAMENTOS (Poesia de Vinícius Bovo de Albuquerque Cabral)

“Nunca me esqueceu esse fenômeno”(Brás Cubas em suas Memórias Póstumas)

Prudente de Morais presidiu o Brasil fazia frio
na sala de aula o elemento de número atômico 38
batizado estrôncio
era um metal alcalino terroso oscilava a lua
ao longe sob os ganidos de um cachorro.

A memória humana, prodigiosa e romântica, não suporta armazenar todos os
mas dificilmente conseguirá deslembrar-se de alguns
São inócuas medidas profiláticas;
apagar uma agenda anotada a lápis
jamais será o bastante, acaso antes
um de teus contatos.

Na hora exata uma relembrança atinge o alvo.
Um cheiro, por exemplo, traça descaminhos
até o lampejo eterno do mesmo fato.
Não se trata de sina, há sinapses
e desatinos a serviço da memória olfativa:
sobre o prato de espaguete recende
uma folha
que sempre reacenderá um dia de sol
onde havia outras
um jardim (e duas pessoas) ao redor de um pé
de manjericão.

Ou talvez não houvesse, fossem apenas sombras
densas, quase gente feita na memória
que falseia, hiperbólica : o que foi bom,
torna-se ótimo; um episódio agreste
(que dificilmente se esquece)
dói hoje e tanto e mais, desértico.

Ah ! Se o esquecimento fosse produzido
pelo esforço tátil, um origami às avessas,
em que minuciosamente se desdobrasse o passado
até as possibilidades de uma folha intacta:
às vezes levaria tempo, três, quatro vidas, uma tarde.
Ou simplesmente uma queda, um átimo.
Esquecer seria fácil.







Autor: Vinícius Bovo de Albuquerque Cabral
Contato: aindapoesia@uol.com.br
Blog: http://aindapoesia.blog.uol.com.br

Concurso: Prêmio SESC-RO de Poesia - 2012
Organização: SESC de Rondônia
Classificação: 3º Lugar

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